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terça-feira, agosto 31, 2004

Reminiscencias profissionais (2)

Oscar Niemeyer, de 1987 a 1989

O projeto do Memorial foi uma grande realização pessoal e profissional. Não envolveu somente o aspecto técnico. Foi uma oportunidade de conviver e conhecer pessoas fora do ambiente frio e fechado da engenharia e da competição interna típica das grandes empresas.

Não vou discutir as qualidades ou defeitos das obras de Oscar. São bonitas e pronto.São desafiantes pelo arrôjo. Mas a forma de condução do projeto, onde ele chama os artistas para colaborarem e complementarem sua obra nos insere num meio onde só as habilidades gerenciais técnicas não são suficientes. Aprendi a gerenciar pessoas, egos, estrelismos, tentando sempre agrupar uma equipe. Conheci artistas notáveis. Bruno Giorgi, Athos Bulcão, Carybé(grande figura!), Poty, Maria Bonomi, Tomie Ohtake, Franz Weismann, Marianne Peretti.

Conheci políticos mais de perto. Eu que sempre fui um pouco afastado da política, tive que gerenciar um Darcy Ribeiro( a gente pagava os honorários dele como assessor cultural do Memorial). Prestar contas para o Quércia que vinha todo mês à obra. Estar presente em todos os eventos de visita às obras onde Darcy, na salinha de reuniões no barraco de obra fazia sempre o mesmo discurso de no mínimo meia hora.Eu já havia decorado o discurso. Numa vez, o Dr. Ulisses (o senhor diretas), dormiu profundamente enquanto Darcy apaixonadamente discursava sobre as origens étnicas do povo latino-americano.

Conheci Jorge Amado e Zélia Gattai (tenho livro autografado por eles).

Nos 20 meses de obras, pude ver de perto a simplicidade de Oscar. Comunista convicto, sempre dividiu tudo que ganhava com os amigos, colaboradores e família. Estava sempre duro. Se hospedava aqui em SP num hotel 5 estrelas mas não pagava. Era cortesia do hotel por ter um hóspede famoso. Com muita simplicidade, trafegava com desenvoltura tanto à esquerda como à direita. Quando eu ia ao Rio ver o andamento do projeto, passava em seu escritório em Copacabana, às vezes almoçava por lá mesmo com a equipe, numa salinha de refeições. No fim de tarde, sentava com ele e mais outras pessoas na sua sala de trabalho, ficávamos jogando conversa fora, tomando uísque e ele fumando sua cigarilha cubana. Ouvindo os “causos” que ele gostava e gosta de contar. Sobre as obras da Argélia, da França, da Itália, de Brasília. Casos engraçados e pitorescos.

Nas noites frias do inverno de São Paulo, no final do expediente a gente se reunia no barraco da construtora, fazia um balanço do dia em meio a um happy hour com direito a vinho e sanduíche do Ponto Chic. Oscar contava suas histórias como o vovô com seus netos ao redor.

A obra correu bem.Como toda obra, com atropelos, felizmente sem acidentes.Casos engraçados? Vários.Incidentes? Alguns.
Um deles quase me custou a cabeça na empresa. Se quisessem criar um CFJ naquela época eu apoiaria de imediato. Uma irresponsabilidade mentirosa de um repórter de jornal me deixou de saia justa.As imagens postadas abaixo são auto-explicativas.
A maior saia justa de todas, foi quando a Prefeita Luíza Erundina se encrespou com Quércia às vésperas da inauguração, ameaçou de mandar fiscais à obra e caso encontrassem alguma irregularidade, interditaria e não haveria inauguração. Sobrou pra mim e para Oscar. O Secretário Fernando Morais, me pediu para receber a comitiva de fiscais e avisá-lo caso eles quisessem interditar alguma coisa. O Governador estava disposto a mandar a tropa de choque da PM. Ia ser o maior barraco.
Chegaram os fiscais, a Globo, o SBT, etc e tal. Convidei o chefe deles, um arquiteto, para conhecer Oscar que estava em sua sala no barraco de obra. Ele ficou encantado e agradecido. Enquanto isso, os fiscais percorreram a obra e não encontraram nada de errado (nem havia nada para encontrar). Foram embora e o episódio foi contornado.
Finalmente, obra inaugurada com toda a pompa e circunstância. Está lá. Gostem ou não gostem.


saia justa hein meu? Posted by Hello

por conta da irresponsabilidade de um reporter Posted by Hello

dia em que saí nas manchetes Posted by Hello

Reminiscencias Pessoais

Infância , adolescencia e juventude
Os anos 60/70/80 na ditadura

1964
Em 31 de março de 1964, me lembro bem, tinha 12 anos.Estava em meu quarto à noite depois do jantar, deitado e escutando meu radinho de pilha (Um HITACHI que tenho até hoje guardado. Não funciona, parece um tijolo, mas está guardado). Eu costumava ouvir de noite o programa da rádio Record, Histórias da Maloca com Adoniran Barbosa onde ele era o Charutinho e Maria Tereza(a Terezoca). Ouvia também o programa PRK-30 na rádio Record de São Paulo, com Castro Barbosa e Lauro Borges.Eu adorava também ouvir o programa do Moraes Sarmento na rádio Bandeirantes.

De repente, veio a interrupção do programa para uma notícia urgente. Dava conta que um tal general não sei das quantas estava vindo de Minas Gerais para o Rio de Janeiro para prender o presidente Goulart. Foi assim que eu entendi. Me perguntei: por que será? Fiquei assustado quando meu pai a quem fui perguntar o que ocorria, estava também com ouvido colado no seu rádio, falando baixo com minha mãe e me disse . “Vai dormir que você não entende nada” . Mas deu para perceber que tinha alguma coisa errada.
No dia seguinte, fui para a escola) normalmente(estava no segundo ano ginasial e ao chegar lá, havia um aviso de que não haveria aula.Achei ótimo.Vou jogar futebol com os amigos.

Depois soube que o presidente Jango havia fugido do país e tínhamos um novo presidente. Também me lembro bem que pensei. “Que sujeito covarde. Porque fugiu?”. Assim se passaram quatro anos, eu somente preocupado com estudos, meu violão e os namoricos.

1968
Em 13 de dezembro de 1968, eu havia terminado o segundo ano científico, com uma segunda época em Química. Desde 1967, fazia parte da turminha do Grêmio da escola, tendo sido secretário e havia conhecido José Dirceu, Presidente da UEE que junto com outros militantes vinham à escola piquetear e convidar para as várias greves e passeatas na Rua Teodoro Sampaio.
(José Dirceu foi preso no famoso congresso da UNE em Ibiúna e nunca mais o vi. A fama dele entre nós do colégio era de covarde, que incitava os outros a enfrentar a repressão e depois corria do pau.)

Nossa diretora, D. Clélia, era além de exigente professora de Português, juíza de Direito e tinha um bom senso fabuloso. Ao contrário de outros diretores de outras escolas públicas, ela nos dava liberdade mas exigia a responsabilidade. Nos deixava debater a política dentro da escola mas nos alertava para não fazermos o mesmo fora da escola ou nos arredores pela nossa segurança.Nos recomendava a não participar das passeatas pois temia pela nossa integridade física. Me lembro até que um dia, uma viatura policial, apareceu no colégio pois, por denúncia de algum espírito de porco haveria reunião subversiva em nosso Grêmio.Estávamos justamente em assembléia interna, decidindo se participaríamos ou não das passeatas. Os gorilas tentaram entrar no colégio e D. Clélia os barrou dizendo que era a responsável pelos alunos e que só entrariam com expressa autorização do Secretário da Educação ou do Governador ou de um mandado judicial. não sabemos se ela se identificou como juíza mas o fato é que eles foram embora.

A gente nesta época com 16, 17 anos, vivíamos em festinhas e bailinhos. Andávamos em bando pelas ruas à noite e deixávamos nossos pais muito preocupados pois a repressão corria solta. Nós também ficávamos ressabiados, circulando pelos bailinhos de sábado à espreita de alguma perua Veraneio com chapa fria que significava o pessoal do DOI-CODI e da OBAN. Nosso jornal preferido era o Pasquim. Tarso de Castro, Millor, Jaguar, Ziraldo, Ivan Lessa, Paulo Francis, Henfil. A musa era Leila Diniz. Que mulherão!

1969
Cursinho e terceiro científico juntos. Não dava tempo nem pra pensar em política. O negócio era entrar na USP. Foi a primeira vez que ouvi falar de Fernando Henrique Cardoso na casa de uma colega, onde estudávamos juntos, a turminha do colégio, que estava na mesma classe do cursinho.Os pais dela, em voz baixa comentavam que o Fernando Henrique, amigo deles, havia sido aposentado pelo AI-5.

1970
Enfim, USP. Primeiro na Física, depois na Poli. O pessoal da Física era super politizado, de esquerda. Mário Schemberg era o ícone pela sapiência e capacidade, mas aposentado pelo AI-5 . O professor José Goldenberg era diretor da faculdade. Vivíamos em greve...
Na Poli, o pessoal era considerado “reaça” pois viviam para estudar e não davam muita bola para atividades extra-curriculares como protestos e greves. Eu no meio do sanduíche. De dia, era o “comuna” entre os politécnicos, de noite, o “reaça” entre os físicos. Eu preferia mesmo era jogar meu crepe no bar do Belo na Poli de manhã e dormir numa aula de Física-Matemática à noite.

1971/1976
Namorada firme, cursando 2 faculdades, arranjei estágio numa empresa de engenharia que viria a se tornar a maior empresa de consultoria e projetos do Brasil. O pai da minha namorada era do DOPS (vige! que medo!) mas foi ele que descobriu que eu era fichado lá. Pela minha singela função de secretário do Grêmio do colégio. Viram? O Big Brother já existia...

continuo depois...

reminiscencias pessoais - continuação

1976/1979... continuação

Com minha ficha devidamente limpa, obra do meu ex-futuro sogro, terminei as faculdades. Terminou também o namoro que tinha virado noivado. Já estava a esta época, totalmente despolitizado. Virei cria do milagre brasileiro. Era rico e não sabia. Tinha emprego, carro do ano, sem obrigações, solteiro, cama, comida e roupa lavada. Era a época do General Geisel. A época do choque do petróleo. Éramos imunes aos choques internacionais. Uma ilha de tranqüilidade. Época da abertura lenta, gradual e segura.Conheci em 1977, uma garota linda. Namoramos. Noivamos. Casamos em 1979. Compramos casa pelo SFH, via Banco do Brasil. Moleza pagar...só 11 anos.

1980/1982
Nasce minha filha. Nasce também neste ano, um partido político que se intitulava representante dos trabalhadores. E eu me perguntava à esta época. Quem são estes sujeitos que pretendem defender os trabalhadores mas me chamam de burguês? Eu trabalho 8,5 horas por dia, seis dias por semana e não posso ser considerado companheiro deles? A recessão econômica por conta dos choques internacionais e pelas “cagadas” dos milicos e de políticos a eles ligados começava a se apresentar. Os negócios rareavam. A empresa onde eu trabalhava demitia. O “facão” passou a ser a ordem do dia.O Presidente era o General Figueiredo, aquele que gostava mais de cheiro de cavalo que de gente.Veio a anistia. Serra, Covas, Fernando Henrique, José Serra, Brizola, entre tantos outros... O caso do Rio Centro repercute.

1983
Me demito do meu emprego. Vou trabalhar por conta.Passo um aperto do cacete. O Partido dos Trabalhadores, que podia me representar, não está nem aí pra mim. Não me sinto representado. A minha vida depende só de mim.E eu faço por acontecer.Minha pequena empresa formada por mim e minha esposa, floresce. Campanha pelas Diretas Já. Nunca eu havia votado para Presidente. E já tinha sido mesário, nas eleições por 3 vezes... O problema da violência urbana aumenta.

1984 /1985
Colégio Eleitoral. Tancredo é eleito. Morre antes de tomar posse. Sarney assume. É o princípio da redemocratização e o final melancólico da Ditadura. O General Figueiredo sai pela porta dos fundos e é esquecido. Chega a Nova República.

segunda-feira, agosto 30, 2004

Reminiscências Profissionais

Oscar Niemeyer, setembro de 1987

Era eu, executivo da empresa em Salvador-Bahia desde 1985. Estava posto em sossego no escritório pensando em pegar uma prainha de fim de tarde, quando recebi um telefonema de meu diretor do Rio de Janeiro, me convocando para uma reunião urgente em São Paulo na manhã seguinte. Não me disse o assunto. Eu saberia quando chegasse.
Meio encafifado com o mistério, peguei o Corujão da Transbrasil e fui direto do aeroporto de Guarulhos para a sede da empresa. Lá chegando, enquanto tomávamos o café da manhã ele me informou que iríamos a uma reunião com o Governador Quércia, na Estação da Barra Funda do Metrô. Lá eu me inteiraria do assunto. Com a pulga atrás da orelha, pegamos o carro da empresa e fomos.
A reunião era ao ar livre, num terreno abandonado da FEPASA ao lado da Estação. Estavam lá além do Governador, o Secretário da Cultura, Fernando Morais e Darcy Ribeiro, à época assessor cultural do Governo.Eu estava meio que não entendendo o que eu fazia ali.Fui apresentado aos figurões e fiquei um tanto deslocado, observando as conversas. Depois de uma meia-hora, chegou num Dodge Dart todo arrebentado o Arquiteto Oscar Niemeyer. Quando nosso Diretor me apresentou a ele, aproveitou para desvendar o mistério. Tal “reunião” era a solenidade de lançamento da pedra fundamental do Memorial da América Latina e eu havia sido designado para dirigir o projeto. Para um profissional como eu, que havia dirigido projetos basicamente industriais, era uma novidade e também um desafio. O projeto era arrojado, como todos os projetos de Niemeyer são. O prazo era curtíssimo face ao tamanho da obra. Eu ainda teria que me dividir entre as funções bahianas, as novas funções na obra em São Paulo e a coordenação com o projeto que seria desenvolvido em parte no Rio de Janeiro. Diante desta minha preocupação, meu chefe, só ponderou o seguinte:
“-Faça como quiser. Se quiser mudar para SP, ou Rio, ou ficar em Salvador, você é quem decide. A obra é sua”.

Desta forma, começou o relacionamento com esta pessoa notável, uma figura sensacional, com quem eu iria trabalhar nos próximos 4 anos.
O resto, conto depois.