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sexta-feira, dezembro 02, 2005

Eu normalmente quando leio bons artigos,ponho o link aqui

Mas este texto, faço questão de reproduzir, pois é mais pura verdade neste ambiente de mentiras, falácias e meias-verdades que estamos de saco cheio de ouvir e ler.Parabéns, Liliana Pinheiro.


Gênesis

Por Liliana Pinheiro


A mentira quase sempre está a serviço de políticos, mas a verdade, quando esculpida pelos espertos, também. Às vezes, um dado bem fundamentado se presta ainda melhor às balelas do poder e à desinformação geral da nação.

O exemplo mais recente, sem dúvida, é o do PIB. Caiu 1,2% no terceiro trimestre na comparação com o segundo.

A crise política estava no seu auge e, naturalmente, isso interferiu nas intenções de consumo e investimento. O ministro Antonio Palocci apressou-se em passar recibo sobre esse efeito, que isentaria de culpas a Fazenda e o Banco Central.

Devagar, ministro! As coisas não são bem assim. Interferir é uma coisa. Determinar é outra.
Todo mundo sabe que os investimentos em exportação, por exemplo, estão sendo postergados porque o dólar não está atrativo para grandes apostas de vendas externas e pode continuar assim em 2006. Isso se deve à atuação do BC, não às denúncias de corrupção no governo.

Outra coisa importante a notar é que crescimento determina investimento, não assepsia política ou institucional.

Lembremos a China e da Rússia... Adoro, especialmente, o exemplo da Rússia, onde os problemas para o investidor começam no aeroporto.

As pessoas também conhecem muito bem a magnitude da crise no setor agrícola e pecuário e a imensa capacidade do governo de não fazer nada a não ser esperar que a sorte lhe sorria, como aconteceu nos dois primeiros anos de Lula.

Por fim, os consumidores não estão ariscos porque imaginam que o escândalo do mensalão vai levar suas economias — já levou, na forma de impostos, uma parte convertida em gastos públicos espúrios.

A baixa intenção de gastos se deve à estagnação da renda no nível mais baixo em mais de uma década. Lembra-se disso, ministro? Refiro-me à mesmíssima pesquisa do IBGE, a mensal de emprego, que o governo comemorou porque propiciou a seguinte leitura: “Renda pára de cair depois de sete anos!”. Parece boa, mas se trata de notícia medonha, pois nunca se ganhou tão pouco.

Parece uma velha e batida brincadeira de jornalistas, destinada a transformar notícias ruins em manchetes positivas, ao gosto do poder.

Se o desemprego aumenta, por exemplo, sempre é possível dizer: “Trabalhadores têm mais horas de descanso” ou “Pais passam mais tempo com os filhos”. Se o preço da carne fica proibitivo, dá aquela manchete bacana: “Brasileiro aprende a diversificar hábito alimentar”. Em qualquer atividade, a manipulação da verdade não tem limites quando o objetivo é bajular o poder e enganar o próximo. Na política, vale mais o segundo objetivo.

Outra verdade usada para promover o engano diz respeito à importância de José Dirceu para o PT. É imensa, sim, mas não por razões tão nobres como se quer fazer crer.
A balela influente do momento é a de que o deputado cassado é vítima de uma injustiça histórica e institucional, encomendada para atingir a esquerda brasileira.
Este site já tratou de vários ângulos desse tema, assim como uns poucos analistas de jornais. Para uma aparvalhada parcela de militantes da sigla, contudo, trata-se de mal a ser reparado em nome de causa nobre. Não percebe a que interesses atende a salvação do mito.

Pois bem, penso que interessa menos a Dirceu — embora isso lhe seja muito importante e mesmo indispensável à biografia — e mais aos que pregaram a própria carreira política na máquina partidária criada pelo ex-ministro em torno de outro mito, o do operário Lula. Estes não sabem dar um passo na política sem o guia pragmático e o divino a lhes mostrar o rumo. Até alguns inimigos internos de Dirceu no PT, ao fim, dependem da força dele e da do presidente para se aprumar.

Claro, não me refiro a todos os políticos petistas, mas a uma fatia significativa que, em condições partidárias normais, não chegariam nem mesmo a disputar a chance de uma suplência de vereança num grotão por absoluta insuficiência de talento — político, administrativo, intelectual...

Para estes, salvar Dirceu definitivamente não tem nada a ver com preservar o emblema da esquerda e manter viva a chama revolucionária para que esta incendeie o país em momento mais propício — daqui a 10, 20 ou 30 anos, até 200, cada um faz sua conta.


Sim, há um minúsculo grupo que pensa nisso, e este eu respeito como de resto costumo apreciar gente do bem ainda que meio avoada. Mas a fatia a que me refiro, muito mais numerosa, que ascendeu visitando gabinetes e adulando burocracias, sem apreço a nenhuma causa política mais elevada, quer é salvar a própria pele e tem pesadelos ao imaginar que terá de sobreviver de moto próprio. Isso significa tomar o caminho do trabalho comum, aprender um ofício, se virar.

A possível capacidade do tal Dirceu-mito de seduzir o eleitor tradicional da esquerda e de reunificar a militância é uma espécie de tábua de salvação para perder os anéis, mas não os dedos na eleição do ano que vem. Cada gabinete fechado significará o fim da mobilidade social fácil que o partido e o sindicalismo propiciaram para seu exército mercenário.

Parece uma crítica virulenta, mas não é nem mesmo crítica, é constatação.
Aconteceu no Brasil um tal fenômeno político chamado PT. Nasceu no paraíso das utopias e das boas intenções. Teve momentos de celestial felicidade. Caiu em tentação e provou do proibido. Foi condenado a envergonhar-se da própria nudez, o que apenas começou. Acho que o próximo passo, se não esqueci a lei divina para a terra dos homens, é a trabalhar duramente pelo próprio sustento.

Comecei com economia, terminei com política, mas de fato só queria dizer que, se o Brasil crescesse, seria mais fácil também para quem acaba de desabar do paraíso. Petistas, a coisa aqui no mundo real dos que viram a renda parar de cair depois de sete anos e o PIB encolher 1,2% anda para lá de complicada...

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liliana@primeiraleitura.com.br]
Publicado em 2 de dezembro de 2005

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